Os fins e os meios
14/11/24
Este texto fala sobre mortes, suicídios, violências e outras coisas perturbadoras desse tipo
O estopim para o início da Primavera Árabe foi a autoimolação de um vendedor de frutas tunisiano depois de uma série de contratempos crueis dignos do Processo de Kafka (que também são reproduzidos cotidianamente no dia a dia da maioria dos brasileiros, especialmente os negros, as mulheres, as pessoas LGBT, etc.), que culminaram em uma proibição ilegal de trabalhar, o que o levou a atear fogo em si mesmo como forma de protesto.
Neste artigo da Wikipedia dá para ver que a Primavera Árabe teve consequências positivas na própria Tunísia e em outros países, enquanto que em outros lugares ela acabou resultando em uma espécie de inverno árabe que aprofundou a opressão e a degradação das condições de vida daquelas pessoas, o que se mistura hoje em dia ao problemas mais (ou menos) recentes do avanço da extrema-direita e da incapacidade de reagir às mudanças climáticas que nós mesmos provocamos, entre outras convulsões mundiais.
Só que acho que nem mesmo as consequências parcialmente positivas deveriam ser comemoradas (embora devam ser mantidas) já que tudo começou com alguém completando em si mesmo um processo iniciado pelas engrenagens da opressão - que não vão neutralizadas pela violência.
Isto não é uma crítica ao Mohamed Bouazizi, assim como não é uma homenagem ao bolsonarista que morreu na frente do STF (ou talvez tenha se matado) em um atentado terrorista frustrado¹. Mas é uma crítica ao bolsonarismo.
De maneira análoga às autoridades regionais que proibiram injustamente Bouazizi de vender frutas, o bolsonarismo é simplesmente uma manifestação da cultura de morte que, nesse caso, gira em torno do culto à imagem do inelegível, que além de não ter o menor receio de jogar alguém na fogueira em benefício próprio, faz isso quase que literalmente:
altbot escreveu:
O vídeo começa com uma filmagem de Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, falando para uma grande multidão. Ele usa uma camisa branca e está segurando um microfone. A multidão está usando principalmente roupas amarelas e verdes, e muitas pessoas estão segurando bandeiras brasileiras. Bolsonaro diz: "Repitam aí: Eu juro dar a minha vida pela minha liberdade!" A multidão grita de volta e acena com as mãos. Ele repete: "Mais uma vez, eu juro!" A multidão grita novamente. Então, ele diz: "Esse Bragança Neto é o nosso exército." A multidão continua gritando e aplaudindo. Há uma pequena tela inserida no canto inferior direito do vídeo, mostrando mais filmagens da multidão.Fornecido por @altbot, gerado usando Gemini
Não que o bolsonarismo seja o único caso de uma veneração tóxica, basta ver casos como o de João de Deus e outros impostores religiosos por aí, e nem o único caso de culto político, que parece acometer até alguns petistas (mesmo que o próprio Lula nunca tenha se proclamado um messias - no máximo, ele se proclamou uma ideia, o que eu acho justo e é uma ideia com a qual eu me identifico, mas nem isso justifica a veneração que uma minoria tem por ele) e outros setores da esquerda o pco, ainda que seja a menor parte dela.
Mas nenhum desses ídolos tóxicos tem um alcance tão grande quanto o que o bolsonarismo tem (mesmo que o Paulo Marçal tenha levado não sei quantas pessoas a arriscarem a vida inutilmente naquele episódio da montanha, e um cara tenha morrido numa corrida de coache dele, ainda assim eu considero ele um bolsonarismo dois ponto zero, pelo menos porque ele não teria sido possível sem o bolsonarismo anterior), ninguém na esquerda está impelindo os outros a se matarem (ou a “darem a vida”, como o inelegível diz no vídeo), e de modo geral o calcanhar de Aquiles da esquerda é também o que a salva do risco de se tornar uma seita generalizada, que é a proverbial incapacidade da esquerda de se unir em torno de qualquer coisa. Isso sempre é um problema a curto prazo, mas a longo prazo serve como uma espécie de válvula de segurança democrática.
Também não é uma crítica à direita, pelo menos no sentido mais amplo. Eu desejo todas as derrotas do mundo à direita, mas ainda assim ela é um posicionamento político legítimo, mais ou menos como o Grêmio é um time de futebol legítimo, reconheço seu valor, etc, mas espero que sempre perca para o Inter. A direita tem coisas boas lá (se me perguntarem eu não saberia dizer quais são, mas deve haver sim). Em todo caso, eu quero dizer que não estou esperando que a direita acabe, que seja derrotada por meio da sua supressão, e talvez até essa opinião seja uma influência nefasta do bolsonarismo, diante do qual uma Yeda Crusius da vida, por exemplo, até se torna… bom, não chega a se tornar mais simpática, mas, no mínimo, menos antipática.
A questão é que o bolsonarismo não é, ou pelo menos não deveria ser, um campo político legítimo. Não é como se fosse uma ideologia política que de vez em quando tem uns arroubos pelo calor do momento. De 2018 para cá (na verdade, do golpe de 2016 para cá), o que se viu foi a ascensão de Olavo de Carvalho, padres armados posando orgulhosos para fotos, uma tentativa de golpe, enfim, todo o tipo de legitimação da violência a ponto de um sujeito, um ex-candidato bolsonarista, morrer porque se atrapalhou (ou talvez tenha se matado) em mais um atentado que só falhou pela graça de Deus.
É difícil de entender quantas pessoas mais a sociedade está esperando morrerem em nome do que ainda se considera uma coisa política mas que, pelo menos para mim, não pode se caracterizar como política se se baseia na violência - e já seria uma coisa censurável se apenas promovesse indiretamente a violência, mas nesse caso a violência é uma parte explícita da “política” bolsonarista, e a prova disso é mais um corpo sem vida por absolutamente nada. No caso do Bouazizi serve a advertência de que os fins (o recuo da opressão) não justificam os meios (a morte dele), mas ainda que por caminhos que não devem ser percorridos, pelo menos o país melhorou. No caso do Tiü-não-sei-o-quê, os meios são tão nefastos quanto os fins, que se resumem à imposição de um império da violência, seja ele com ou sem rei nem lei.
¹ Inserido em edição posterior para dar o nome correto aos bois.
A imagem é de Gabriela Biló/Folha, copiada do bluesky de @reporterenato, sobre a qual não vale o CC BY-SA 4.0 desse site (não sei nem se eu podia ter usado, mas, enfim).
Altbot
in reply to Marcelo • • •Claro, aqui está uma descrição de texto alternativo do vídeo:
O vídeo começa com uma filmagem de Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, falando para uma grande multidão. Ele usa uma camisa branca e está segurando um microfone. A multidão está usando principalmente roupas amarelas e verdes, e muitas pessoas estão segurando bandeiras brasileiras. Bolsonaro diz: "Repitam aí: Eu juro dar a minha vida pela minha liberdade!" A multidão grita de volta e acena com as mãos. Ele repete: "Mais uma vez, eu juro!" A multidão grita novamente. Então, ele diz: "Esse Bragança Neto é o nosso exército." A multidão continua gritando e aplaudindo. Há uma pequena tela inserida no canto inferior direito do vídeo, mostrando mais filmagens da multidão.
Fornecido por @altbot, gerado usando Gemini