A Alemanha abraça o neoliberalismo militar - Hugo Albuquerque
O cessante parlamento alemão aprovou a Emenda à Lei Fundamental que pôs fim ao Freio da Dívida [Schuldenbremse] de 2009, um equivalente germânico ao Teto de Gastos ou Arcabouço Fiscal do Brasil. Se os alemães optaram por uma metáfora automobilística, e os brasileiros aludiram à construção civil, a serventia é a mesma: limitar o investimento público ao sabor da banca – o fim do mecanismo alemão, contudo, tem a ver com ampliação dos gastos militares.
Longe de ser uma boa notícia, ou um exemplo para o Brasil, a medida alemã é um controversa volta ao que pode ser chamado “keynesiano militar”, conforme Mike Roberts colocou em um artigo grandioso, recentemente publicado no Outras Palavras, mas também Yanis Varoufakis em suas redes sobre a decepção com o Linke, partido da esquerda alemã. Isso, no entanto, merece um reparo: neoliberalismo militar parece ser um termo mais adequado.
Ainda que preveja medidas para a infraestrutura, a medida é centrada na reorientação da economia alemã para a guerra, com fábricas de automóveis da Volkswagen sendo reconvertidas para fabricar tanques. Isso não coloca fim à austeridade geral da Alemanha, mas destina recursos – que os seguidos governos alemães sempre alegaram não ter, fosse para a área social ou para economia normal para finalidades pacíficas.
Isso apenas reforça a lógica da guerra, hoje materializada no conflito na Ucrânia, em que Berlim foi envolvida pela administração Biden – às custas de suas vantajosas relações comerciais com a Rússia. Parece, portanto, ser uma aposta redobrada no atoleiro, em uma rebeldia contra Donald Trump em meio às disputas internas na Alemanha e na Europa, mas também externas junto à opinião pública dos Estados Unidos.
Ainda, o fato do Linke ter votado contra a medida na Câmara, mas mudado de posição no Senado [Bundsrat] foi chave para a aprovação da Emenda, o que traz à tona crise ideológica da esquerda radical alemã: se para se manter no Parlamento, e ampliar seus votos, o Linke adotou posturas mais moderadas, principalmente em política externa, nas últimas eleições, agora seu giro mostra o que pode estar por vir.